A Misericórdia na trajetória dos Papas

Jesus disse à Santa Faustina: “A humanidade não encontrará paz, enquanto não se voltar com confiança para a misericórdia divina” (Diário, pág. 132). A misericóridia, de fato, foi um traço de unidade característico entre os pontificados dos últimos papas.
O tema da misericordia divina, manifestada através da vida de Jesus Cristo, é recorrente em diversos pontificados. Pode-se até mesmo afirmar que tal atributo divino perpassou os pontificados como poucos, e de forma singular. Ainda nos dias atuais, os fiéis se voltam para a misericórdia e celebram no segundo domingo da Páscoa a festa da Divina Misericórdia. Esta, porém foi um traço presente nos pontificados e documentos papais ao longo dos anos na história da Igreja.

Papa Pio XII
Pode-se iniciar o caminho traçado pelos pontífices e a misericórdia no Ano Santo de 1950, onde Papa Pio XII havia evocado a misericórdia divina em sua radiomensagem de Natal de 1949: “A nossos filhos, a todos os homens de bem, seja estimado o compromisso de não decepcionar as esperanças do Pai comum, que tem seus braços erguidos para o céu, para que a nova efusão da misericórdia divina sobre o mundo possa exceder todas as medidas.”

De fato, em seus discursos, Eugenio Pacelli ainda faz questão de destacar as obras de misericórdia como sendo a “essência própria do evangelho”. (Audiência de 19.7.1939)

O mesmo Pontífice ainda marcou seu pontificado com a Encíclica Haurietis Aquas de 15 de maio de 1956, sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e onde também cita seu predecessor, Pio XI, e sua encíclica Miserentissimus Redemptor. Papa Pacelli reitera: “Assim como amou a Igreja, Cristo continua amando-a intensamente, com aquele tríplice amor de que falamos (cf. 1 Jo 2,1); e esse amor é que o impele a fazer-se nosso advogado para nos obter do Pai graça e misericórdia, “estando sempre vivo para interceder por nós” (Hb 7, 25) (44), e ainda recorda que “ao mostrar o Senhor o seu coração sacratíssimo – de modo extraordinário e singular quis atrair a consideração dos homens para a contemplação e a veneração do amor misericordioso de Deus para com o gênero humano”. (52)

Papa Paulo VI
Em 12 de abril de 1968, papa Paulo VI após a Via Sacra no Coliseu, descreveu a misericórdia como uma torrente que jorrava da cruz.

Em seu discurso, afirma: “Jesus morreu não só porque nós o matamos; ele morreu por nós. Ao morrer na cruz, Ele nos salvou. Por nós, Ele sofreu e morreu. E assim como tantas representações da Cruz na arte cristã fazem jorrar riachos de água límpida aos pés daquela árvore da vida para indicar graça, amizade com Deus, os Sacramentos, assim também da Cruz brota uma torrente de misericórdia e nos oferece, a todos nós, o destino inestimável de sermos perdoados, de sermos redimidos. Tanto que, com a liturgia da Igreja, chamaremos “abençoada” a Paixão cruel do Senhor: pois ela é a fonte do nosso renascimento e da nossa felicidade. Não mais a cruz é, portanto, uma forca de ignomínia e morte, mas um símbolo de vitória: in hoc signo vinces. Vemo-lo aqui sob o arco de Constantino, triunfante desde que o destino da Cruz de Cristo abriu novos horizontes radiantes para a história da Igreja.”

João Paulo II
Pode-se dizer também que São João Paulo II baseou muito de seu pontificado na misericórdia, coroando como aspectos particulares de seu magistério o Grande Jubileu do ano 2000 e a instituição da celebração da Divina Misericórdia, sendo realizada no segundo domingo de Páscoa. Tal instituição foi anunciada por ocasião da canonização de Maria Faustyna Kowalska. Além disso, ele havia dedicado também sua segunda encíclica ao tema da Misericórdia, Dives in Misericordia em 1980. Foi neste documento que o pontífice afirmou: “em Cristo e por Cristo, Deus com a sua misericórdia torna-se também particularmente visível; isto é, põe-se em evidência o atributo da divindade, que já o Antigo Testamento, servindo-se de diversos conceitos e termos, tinha chamado «misericórdia». “(2)

Bento XVI
“As mãos de quem vos ajuda em nome da misericórdia sejam uma prolongação destas grandes mãos de Deus.” Em sua viagem à Polônia em maio de 2006, o papa Bento XVI enfatizou o parentesco entre o que ele chamou de dois mistérios: a fragilidade humana e a misericórdia divina. Nesta ocasião ele estava em um encontro com os doentes. O papa continuou seu discurso afirmando que à primeira vista, estes dois mistérios parecem ser opostos um ao outro. Mas quando tentamos mergulhar neles à luz da fé, vemos que eles estão em harmonia mútua. Isto é graças ao mistério da cruz de Cristo.

Papa Francisco
Utilizando-se de outras palavras, mas resgatando ainda o mistério do encontro entre fragilidade humana e acolhida divina, faz-se memória da Carta Apostólica do Papa Francisco, Misericordia et misera, datada do quarto ano do seu pontificado, e por ocasião do Jubileu Extraordinário da Misericórdia. Nela, lê-se que “A misericórdia é esta ação concreta do amor que, perdoando, transforma e muda a vida. É assim que se manifesta o seu mistério divino. Deus é misericordioso (cf. Ex 34, 6), a sua misericórdia é eterna (cf. Sal 136/135), de geração em geração abraça cada pessoa que confia n’Ele e transforma-a, dando-lhe a sua própria vida.”

O atual Pontífice também, recentemente, em março de 2023, em um encontro com os participantes do Curso sobre o Foro Interno promovido pela Penitenciaria Apostólica, Papa Francisco afirmou que “vivendo da misericórdia e oferecendo-a a todos, a Igreja se realiza e cumpre sua ação apostólica e missionária. Quase poderíamos dizer que a misericórdia está incluída nas “notas” características da Igreja, em particular faz resplandecer a santidade e a apostolicidade.”

Como conclusão, e tomando como luz as palavras de Francisco no mesmo discurso, pode-se enfim afirmar que “desde sempre, a Igreja, com estilos diferentes nas várias épocas, expressou esta “identidade de misericórdia”, dirigida tanto ao corpo quanto à alma, desejando, com seu Senhor, a salvação integral da pessoa. A obra da misericórdia divina coincide assim com a própria ação missionária da Igreja, com a evangelização, porque nela resplandece o rosto de Deus como Jesus nos mostrou”.